Visão de uma jurista
Do Aborto – Artigo 124 a 128 do Código Penal
‘’O aborto ocorre quando a gravidez é interrompida com a consequente destruição do produto da concepção, a eliminação da vida intrauterina.
Está fora do conceito a posterior expulsão do feto, porque pode ocorrer de o embrião, depois de dissolvido, ser reabsorvido pelo organismo em processo de autólise.(Nota do BLOG: autólise é a destruição de tecido vivo ou morto por enzimas e células do próprio organismo) ;
O aborto pode ocorrer entre a concepção e o início do parto. Depois disso avistam-se as figuras típicas do homicídio ou do infanticídio.
Principais formas de aborto:
1: Aborto atípico (não são puníveis e não estão previstos na lei):
- Aborto natural ou espontâneo: é o aborto oriundo de causas patológicas decorrentes de um processo fisiológico espontâneo do organismo feminino.
- Aborto acidental: Deriva de causas exteriores e traumáticas. Exemplo: escorregão.
- Aborto culposo: é o aborto que resulta de culpa, de uma conduta imprudente, negligente ou imperita.
2: Aborto típico e jurídico (estão previstos em lei e não são puníveis):
- Aborto terapêutico (artigo 128, inciso I): é realizado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.
- Aborto sentimental e humanitário (artigo 128, inciso II): é o aborto autorizado quando a gravidez é resultante de estupro.
3: Aborto típico, antijurídico e culpável (estão previstos em lei e são puníveis):
- Aborto doloso: é realizado pela própria gestante, ou por terceiro com ou sem seu consentimento (artigos 124 a 126). O dolo é a vontade livre e consciente de interromper a gravidez com a eliminação do produto da concepção ou com a assunção do risco de provocá-lo.
- Aborto eugênico/eugenésio: aborto realizado quando o feto apresenta graves e irreversíveis defeitos genéticos. Exemplo: feto anencefálico.
- Aborto econômico/social: aborto realizado para que não se agrave a situação de miséria da gestante, que não terá condições socioeconômicas para criar o filho.
- Aborto honoris causa: aborto realizado para ocultar desonra própria. Exemplo: ficar grávida do amante.
A tutela (a proteção legal exercida em relação a alguém) ou seja, a proteção principal é a vida intrauterina. Secundariamente, conforme os artigos 125 e 126, a tutela é a vida, a integridade física e a saúde da gestante (…………)
A rigor, não se trata de crime contra a pessoa, mas contra a vida do ser humano em formação que tem seus direitos garantidos.
Sujeito ativo: As 4 formas típicas de aborto são crimes unissubjetivos, ou seja, não é necessário a prática por mais de uma pessoa.(ver abaixo crime de mão própria)
Nas figuras do autoaborto e do consentimento para abortar (artigo 124), o sujeito ativo é a gestante. Tratam-se de crimes próprios, pois exigem especial atributo do agente, ou seja, SÓ a gestante pode praticar.
O terceiro que induz, instiga ou auxilia a gestante ao autoaborto é participe (artigo 124, 1ª parte). Portanto, admite concurso eventual de agentes, exclusivamente na modalidade participação. Exemplo: fornecer medicamento de efeito abortivo.
A figura do consentimento para abortar (artigo 124, parte final) não admite o concurso de pessoas, por se tratar de crime de mão própria.
Nas figuras típicas do aborto praticado por terceiro, sem ou com o consentimento da gestante (artigos 125 e 126) o sujeito ativo é qualquer pessoa, exceto a gestante. (…..) .
Sujeito passivo: é o produto da concepção (óvulo fecundado, embrião ou feto).
Nas figuras do aborto provocado por terceiro, sem ou com o consentimento da gestante, ela também figura como sujeito passivo, de forma secundária, tutelando sua vida, sua integridade física e sua saúde.
Tipo objetivo: o código penal prevê 4 figuras típicas de abortamento:
- Aborto provocado pela gestante (artigo 124, 1ª parte);
- Aborto provocado por terceiro, sem ou com o consentimento (artigo 125 e 126); (…..)
A conduta prevista no artigo 125, o abortamento sem o consentimento da gestante, é a forma mais grave do delito, ao qual é aplicada maior pena (…….)
Para a tipificação (a caracterização) do aborto é necessário o dissentimento real ou presumido (a divergência ou a não concordância), ou ainda que o abortamento se dê a revelia da gestante (sem o consentimento dela) (…..)
Tipo subjetivo: o agente age com dolo direito ou indireto eventual. Na primeira modalidade (dolo) é a vontade livre e consciente de interromper a gravidez com a eliminação do produto da concepção. Na segunda (dolo eventual), o agente assume o risco de produzir o resultado.
O aborto culposo é atípico (não há dolo há imperícia). Porém, o terceiro que culposamente der causa ao abortamento responde por lesões corporais.
Consumação e tentativa: Consuma-se o aborto com a interrupção da gravidez e consequentemente morte do produto da concepção, sendo desnecessária sua expulsão do ventre materno.
Admite-se a tentativa quando empregado meio relativamente capaz de produzir o resultado, por circunstâncias alheias a vontade do agente, não há interrupção da gravidez ou ainda quando o feto que nasceu prematuro sobrevive.
Causas de aumento de pena (artigo 127): dois são os resultados que aumentam a pena: a morte e as lesões corporais de natureza grave.’’ (….)
Dra. Fernanda Ciardo .
(NOTA DO BLOG ver adiante a decisão do STF sobre hipótese de descriminalização do aborto voluntário)