Entrevista

Instituto de Divulgação Espírita ALLAN KARDEC – https://www.ideak.com.br/blog/o-espiritismo-e-a-filosofia

Mayara Paz (FEB) e Yoko Teles (FEB) entrevistam Cosme Massi* (IDEAK — Kardecpédia e KARDEC Play).

Entrevista gravada como o 25.o episódio do Podcast “O Espiritismo em Pauta”, da Federação Espírita Brasileira, com o título “O Espiritismo e a Filosofia”.

Este Podcast é uma produção da Federação Espírita Brasileira, e pode ser ouvido em https://febpodcast.com.br/podcasts/espiritismo-em-pauta. O Espiritismo em pauta: o olhar do Espiritismo sobre o seu cotidiano.

Transcrição de Rui Gomes Carneiro.
Yoko Teles. — Allan Kardec, em sua obra “O que é o Espiritismo?”, sintetiza a doutrina espírita no seguinte pensamento:

“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos. Como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.”

A filosofia, um dos três vértices basilares do Espiritismo, nos propicia expandir e quebrar paradigmas, além da reflexão diária necessária para ressignificarmos a vivência na Terra. Para essa reflexão sobre o aspecto filosófico da doutrina dos Espíritos, trouxemos o nosso convidado especial de hoje para um bate-papo: o palestrante e estudioso Cosme Massi. Seja muito bem-vindo, Cosme!

Cosme Massi. — Obrigado, Yoko! É uma alegria estar aqui com vocês para conversarmos sobre o Espiritismo.

Mayara Paz. — Na edição de junho de 1862 da “Revista espírita”, Kardec publicou o texto “O Espiritismo filosófico”, psicografia, pela sr.a Collignon, do Espírito Bernardin, onde tece provocações sobre a filosofia, a moral e a doutrina dos Espíritos. Nele, Kardec comenta:

“A filosofia não é uma negação das leis estabelecidas pela Divindade; é a busca do que é sábio, do que é o mais exatamente razoável. E o que pode ser mais sábio, mais razoável, que o amor, e o reconhecimento que se deve ao seu criador?”

Cosme, podemos, assim, dizer que o Espiritismo é considerado uma filosofia?

Cosme Massi. — Não tenha dúvida. Aliás, como foi lido inicialmente, no próprio “O que é o Espiritismo?”, Allan Kardec deixa isso de forma muito clara. Ele diz que a parte filosófica estuda as consequências das relações entre os homens e os Espíritos, relações essas que foram estabelecidas pela ciência espírita. Aqui vale a pena uma observação que é muito importante. Quando se diz que o Espiritismo é uma filosofia, não se pode confundi-lo com um sistema filosófico, do tipo do sistema de Kant, ou de Hegel. O Espiritismo não é um sistema filosófico, como, às vezes, algumas pessoas poderiam pensar. Kardec foi muito lúcido em dizer que a filosofia espírita surge como consequências morais dos estudos da ciência espírita. Isso significa o seguinte, para a gente explicar de uma forma bem simples: o Espiritismo é uma espécie de uma filosofia de uma ciência — e não filosofia da ciência; muito cuidado. Filosofia da ciência é um ramo da filosofia que discute o próprio conceito de ciência, de método científico, de conhecimento científico. Filosofia de uma ciência são reflexões filosóficas a partir daquilo que uma ciência apresenta na sua teoria, baseada na experimentação.

Então, quando Allan Kardec estuda os fenômenos espíritas, a partir desses fenômenos espíritas ele cria a filosofia espírita: a partir dessa interação com os Espíritos. E analisando essa ciência, essas leis que regulam a vida na vida dos Espíritos e suas interações com os homens, nascem, então, consequências filosóficas desse estudo dessa ciência. Então é algo muito parecido com o que é hoje, por exemplo, a filosofia da física, em que se extraem consequências filosóficas daquilo que a física apresenta. Então o Espiritismo é, sim, uma filosofia, mas deve ser entendido como uma filosofia apoiada na ciência espírita. Não se trata de uma filosofia especulativa em que indivíduo, sozinho, raciocina e vai criando o seu sistema; não é isso, não se trata desse sentido de filosofia, que é aquele que encontramos em Kant, em Descartes, em Hegel: essa reflexão racional pura e simples. Não; o Espiritismo é o uso da razão baseada na ciência espírita. Só se pode, portanto, falar de uma filosofia espírita a partir da própria ciência espírita. Por isso essa definição primorosa de Allan Kardec, que foi lida aqui no começo, dizendo que ela consiste nas consequências morais que surgem dos estudos que a ciência espírita apresenta. Então, o Espiritismo é, sim, uma filosofia, mas muito mais uma filosofia de uma ciência do que, propriamente, um sistema filosófico.

Yoko Teles. — Cosme, ao longo da história da humanidade, diversas teorias foram formuladas para descobrir, ou indicar o caminho para o homem, a partir do pensamento filosófico, como você apresentou para a gente agora, não é? Entende-se como filosofia a busca por compreender as viciscitudes da alma, sua natureza, suas faculdades: enfim, sua origem e seu destino. Então, nesse sentido, como a filosofia espírita contribui para a formação do homem de bem?

Cosme Massi. — Veja, quando nós falamos no homem de bem, pressupomos que esse “bem” seja aquilo que corresponde às leis naturais. Então, comportar-se como um homem de bem é comportar-se segundo leis naturais. E aí está uma diferença muito importante entre a chamada moral (ou ética) espírita e a moral (ou ética) de muitas outras doutrinas, sejam elas religiosas ou filosóficas. Se nós olharmos, por exemplo, a moral do Novo Testamento, apresentada por Jesus, perceberemos que ela foi apresentada com a autoridade do próprio Cristo; ela está apoiada na autoridade de uma pessoa. Se nós olharmos os sistemas morais que vêm desde a Grécia antiga, de Platão, de Aristóteles, eles também estão apoiados em uma pessoa, que apresentou seus pensamentos, seus argumentos. Não é assim que a moral espírita surgiu. Ela foi apoiada na ciência espírita. A partir do momento em que os Espíritos se manifestaram, e o fenômeno espírita se colocou, e Kardec e os Espíritos deram a explicação desse fenômeno, foi possível disso extrair uma ética que regula a conduta dos Espíritos — encarnados, os homens, e dos próprios Espíritos desencarnados.

Então essa ética surgiu da ciência espírita e tem apoio nas leis naturais e não na autoridade, o que é muito diferente. Você pode duvidar da autoridade de um livro ou da autoridade dessa ou daquela pessoa. Você pode cogitar uma outra proposta. Já com o Espiritismo, não; a ética espírita nasce a partir daquilo que representa, verdadeiramente, a vida após a morte. Então, para você saber que a virtude e a caridade são fundamentais para a felicidade da alma após a morte, você não precisa acreditar nisso; você pode conversar com os Espíritos que estão vivendo no mundo espiritual, e eles vão relatar os efeitos de quando você vive a lei de amor e caridade, e os efeitos de quando você não pratica a lei de amor e caridade. Então, são leis naturais, que regulam a felicidade do Espírito; não são leis baseadas numa autoridade. O apoio são os fatos da vida do próprio Espírito. Com isso, o homem de bem que estuda o Espiritismo vai encontrar um suporte racional muito forte para continuar vivendo a lei de amor e caridade, para continuar sendo um homem de bem, porque ele sabe, agora, que ele tem o apoio dos fatos, que os Espíritos relatam. Então não é só uma questão de autoridade; é muito mais do que autoridade: são o suporte e o apoio da lei natural.

É assim que Kardec vai, em uma obra admirável, que é a “Viagem espírita em 1862”, no seu diálogo terceiro (e o recomendo àqueles que queiram aprofundar a temática), falar da importância da caridade, como essa lei que vai fazer as transformações sociais. Mas ele vai dizer que a caridade tem que estar apoiada em uma crença sólida, pois, se não, as pessoas não vão praticar a caridade. Imagina, você falar para um materialista, que acredita que a vida acaba com a morte, que ele deve praticar a caridade, renunciar a benefício dos outros, amar o próximo desinteressadamente, fazer o bem. . . Ele não vai ter uma razão para isso. Agora, no momento em que você tem uma crença sólida, que prova que a vida continua, que tudo que a gente vive e faz tem consequências, seja na vida após a morte, seja em encarnações futuras, o homem vai pensar duas vezes; vai perceber que não se trata de uma proposta moral de autoridade, mas se trata de uma lei científica, uma lei moral logicamente dedutível de leis científicas. Então ele vai pensar duas vezes. Ele sabe que não vai escapar dessa lei natural; ele vai fazer todo esforço para vencer a si próprio, porque ele sabe, e não apenas imagina, que ao fazer isso ele estará construindo um mundo melhor. Então, o homem de bem passa a ter um argumento muito importante para ser homem de bem e se esforçar permanentemente na prática da lei de amor e caridade, já que essa lei agora tem um fundamento na ciência espírita, e não apenas na autoridade. Está bem?

Mayara Paz. — Estudo, caridade. . . Eu fui anotanto aqui, Cosme. . . Leis naturais, ciência. . . Excelente explicação. Estou aprendendo muito, viu?! Cosme, na obra “O que é o Espiritismo?”, Kardec nos aponta que somente com a percepção e observação da fenomenologia das mesas girantes foi possível introduzir, de forma metodológica, a doutrina filosófica e a ciência espíritas, como ferramentas de compreensão e aprofundamento do pensamento dos Espíritos. Segue-se o comentário:

“Há duas coisas no Espiritismo: a parte experimental das manifestações, e a doutrina filosófica.”

Pensando, então, Cosme, no tríplice aspecto da doutrina, como a ciência e a filosofia se conectam com a religião?

Cosme Massi. — Veja. Allan Kardec responde a essa questão de maneira admirável na Revista espírita, em dezembro de 1868, em um artigo extraordinário sobre a comunhão de pensamentos. Ele trata do uso da palavra “religião” para o Espiritismo. Você verifica, naquela leitura da definição que Allan Kardec dá no preâmbulo de “O que é o Espiritismo?”, que ele coloca o Espiritismo como ciência e como filosofia. Lá naquele artigo, ele diz que você pode usar a palavra “religião” para o Espiritismo se você usar a palavra no sentido filosófico, que ele vai bem explicar. Por que se você olha a palavra no sentido usual, ou no sentido teológico, você vai ver que o Espiritismo não poderia ser uma religião. As religiões têm dogmas, têm rituais, têm práticas exteriores de adoração e culto, têm sacerdotes, têm hierarquia sacerdotal. Então ele não pode ser uma religião no mesmo sentido em que o Catolicismo e o Protestantismo são religiões. Então, Kardec vai explicar, o Espiritismo é uma religião no sentido filosófico do termo, significando religar, ligar os homens entre si, numa comunhão de pensamentos. É um laço, diz Kardec. Que laço é esse? Como ele se constitui? Ele se constitui pela caridade, pelo sentimento de amor, por essas leis naturais e morais que o Espiritismo apresenta; que permitem ao homem ter uma vida de felicidade e uma ligação com Deus, ao mesmo tempo. (O DESTAQUE É NOSSO)

Como essas são leis naturais, que foram elaboradas pelo próprio Deus (o homem apenas as descobre; elas estão na natureza), e essas leis regulam a vida da alma, os homens, ao entrarem em comunhão pela prática do amor e da caridade, entram em comunhão com o próprio Criador, com Deus. Então aí nós temos esse laço profundo, que constitui uma religião, nesse sentido filosófico, e não no sentido usual ou teológico.
(acompanhe o restante da entrevista no endereço do INSTITUTO DE DIVILGAÇÃO ESPIRITA https://www.ideak.com.br/blog/o-espiritismo-e-a-filosofia

NOTA DO BLOG Veja no segmento RELIGIÃO o discurso de KARDEC de 1º de novembro de 1868 (4 meses antes de desencarnar|) onde ele explica binômio ESPIRITISMO/RELIGIÃO, trecho destacado acima.

 ESPIRITISMO E FILOSOFIA